O internato
aluna: Érika vitoria de almeida sales
Conto
Chovia muito, olhei em volta e percebi que estava em algum
lugar escuro e frio, minha única vista para o lado de fora daquele local era
uma pequena janela bem ao lado de um enorme crucifixo na parede e logo
reconheci onde estava. Mesmo com apenas poucos feixes de luz em toda aquela
escuridão era perceptível algumas imagens de santos e velas visivelmente
desgastadas, eu estava no porão da igreja, uma passagem conhecida apenas pelos
bispos e somente eles sabiam como chegar, não era a primeira vez que eu era
dopado e jogado ali, constantemente isso acontecia, para ser mais exato todos
os domingos pela manha da qual minha família me obrigava a ir a paróquia San
Diego, os bispos machucavam não só a mim como também vários outros garotos que
infelizmente assim como eu não tinham coragem de contar que seus guias
espirituais estavam nos molestando. Fortes passos vinham em minha direção, logo
percebi que o bispo Joseph se aproximava fechei a porta do quarto com força,
não havia cadeiras para que eu pudesse prender atrás da porta, apenas imagens
nas paredes e sacos que a cada minuto fediam mais e mais como se tivesse algo
podre dentro, me sentei atrás da porta para que ao menos meu peso, mesmo eu
sendo magro, me ajudasse a impedir que eu fosse torturado e molestado mais uma
vez. Senti batidas fortes na porta, porém nenhuma voz, as batidas ficavam cada
vez mais fortes e a maçaneta da porta acaba se rompendo, levo minhas mãos a
boca na tentativa de não gritar e não ter outra crise asmática. Tudo se acalma
novamente, escuto os passos desta vez se distanciando e abro a fresta da porta
na tentativa de uma fuga daquele local, a porta rangia, aparentando o quanto
estava antiga, eu me corroia por dentro de tanto medo, o frio na barriga, as
mãos suadas, tudo em mim transparecia insegurança, porém se eu quisesse sair,
eu teria que agir segundo meus instintos de sobrevivência, peguei um dos
crucifixos e sai correndo em direção ao corredor, nada era iluminado, as trevas
permaneciam ali, imagens da virgem Maria nas paredes choravam sangue e as
estatuas de Jesus viradas para a parede, justamente uma forma de achar que
fazendo isso e nos molestando deus não os veria pecando e logo eles não seriam
castigados, permaneci correndo e me esbarrando em algumas estantes até
finalmente achar escadas e uma porta aberta dando uma pequena visão da
paróquia, eu estava salvo, larguei o crucifixo no chão, na realidade eu não
sabia como iria usar aquilo, talvez como uma arma caso alguém tentasse de
impedir de sair daquele local, dei uma ultima olhada para trás e La estava
Joseph me encarando, senti meu corpo ficar petrificado, eu não conseguia andar
de medo excessivo, ele sorriu para mim e apontou uma arma para meu peito, eu
não entendia como um bispo tinha uma arma, em outra mão ele carregava o saco
que tanto fedia e o abriu mostrando pedaços de braços e pernas de crianças
decepadas e também uma caixinha de palhaço onde ele girou a manivela, o som que
saia da caixinha era agudo e desagradável me fazendo voltar a consciência,
comecei a subir as escadas desesperadamente até que a porta aberta acabou sendo
fechada pelo lado de fora e escutei a chave ser girada consequentemente
trancando para que eu não pudesse sair, eu chutava, empurrava, rangia os
dentes, sentei no chão e comecei a chorar.
- lindo dessa forma não deveria derramar lagrimas, olhe para
mim.- disse o bispo que já estava na parte baixa da escada.- vou dar um fim ao
seu sofrimento.- concluiu e disparou contra mim 3 tiros, dois nos pés e um no
peito, senti uma dor horrível, nunca gritei tão alto em toda minha vida, eu
sentia a falta de ar e juntamente a morte.
Algo balançava meu braço fortemente, eu escutava gritos e
logo uma enorme dor na cabeça.
- acorda Etan! Você estava chorando muito enquanto dormia,
fiquei preocupada, o que aconteceu? Sabe o quanto eu tive que te bater para
você abrir esses olhos?- minha Irma disse sentando ao meu lado, eu fiquei tão
feliz ao vê-la, a abracei e logo em seguida empurrei a coberta para olhar meus
pés e eles já não sangravam e muito menos minha barriga tinha furos de tiro.
Comecei a chorar de felicidade e minha irmã ainda continuava a me olhar
curiosa.
- Sarah, nem queira saber, vem, vamos tomar café. - falei a
puxando para a cozinha, sai do quarto com tanta pressa que acabei me batendo em
algumas estantes e derrubando alguma coisa, mas a fome e a tentativa de sair da
tensão do pesadelo eram mais fortes que minha mania de arrumação.
- ei, calma ai rapaz, quase quebrou o presente dado pelo
bispo J.- Sarah falou com uma estatua da virgem Maria em mãos.
fiquei paralisado,
minhas torradas se esfriaram no mesmo momento, as luzes da cozinha se apagaram,
felizmente como era uma manhã de sábado tínhamos a luz do dia para continuar,
peguei a estatua da mão de sara e foquei em seu rosto que aparentava estar
novinha em folha, naquele mesmo momento seus olhos começaram a escorrer sangue,
olhei a minha volta e Sarah não estava mais La, segurei a santa em meus braços
e tentei sair da casa, mas não consegui, não estava trancada, mas emperrada,
como se alguém tivesse feito aquilo propositalmente.
- ora ora ora.- olho para trás e vejo bispo Joseph com um
grande machado em mãos, como eu teria certeza de que eu estava em um sonho ou
se era a vida real? Eu não tinha opção se não tentar correr, mas algumas
freiras, estas desconhecidas por mim me cercaram e me jogaram no chão, eu
tentava gritar e chamar ajuda, mas minha voz não me obedecia, comecei a chorar
e a tentar me levantar até que todas as freiras prenderam minhas mãos ao chão
com algemas pesadas de cada lado dos braços e também nas pernas, Joseph se
aproximou com o machado sorrindo de ponta a ponta, os quadros das paredes na
minha casa se rasgaram, as luzes piscavam como se estivessem perto de
queimarem, as freiras começaram a orar e pedirem que deus receba minha vida,
fechei meus olhos, aquele seria meu fim.
- filho abra os olhos, filho, pare de chorar, por favor, levante.
- minha mãe falou olhando para mim, logo percebi que estava em outro lugar,
desta vez em um tipo de sala de terapia, minha mãe me olhava preocupada, eu não
entendia o que estava acontecendo, eu não lembrava meu passado e com tantas
visões de morte não conseguiria pensar em um futuro.- vamos filho tome essa
água, você tem tido muitas crises e visões ultimamente, eu estive conversando
com o psiquiatra, o bob, amigo do seu pai e nós tomamos a decisão de te colocar
em um local onde você possa se sentir melhor, mais acolhido e escutado com
atenção, o internato para adolescentes especiais, mas esqueça esse final, você
vai para um internato como qualquer pessoa normal, apenas para concluir seu
ensino médio e parar com as suas visões constantes, entende que faço isso para
seu bem?- minha mãe concluiu, ela chorava muito, não entendia o porque disso,
mas em minha cabeça era tão real, seria meu cérebro me enganando e me fazendo
delirar?
- mãe eu não acho que deva ir para um internato, eu estou bem
agora, veja, estou calmo.- falei segurando a mão dela.
- filho, a ultima vez que disse isso você destruiu os quadros
das paredes e emperrou a porta, fora que você destruiu a virgem Maria e aquilo
tinha sido um presente especial, eu estou fazendo isso por você e sua família,
Sarah ficou muito abalada com o que aconteceu e eu mandei passar um tempo fora
de casa com os avós dela, entende filho que essa ideia foi sugerida por
profissionais que querem apenas te ajudar e eu quero te ajudar, não existe
outra opção, você vai para o internato e vai me agradecer por isso depois. -
ela finalizou , beijou minha testa e apontou para minhas malas prontas. Mas
como seria possível que todas estas coisas tenham sido causadas por mim? Afinal
de contas eu sofri isso e se acontecer varias e varias vezes novas mortes
minhas como eu poderia as evitar?
- Os alunos já estão no ônibus para o internato só falta você
Etan Jordan. - um velho falou com uma prancheta em mãos, ele era barbudo e
gordo, não o enxergava como alguém confiante, a cara fechada dele e o tom de
voz debochado descreviam o tipo de pessoa que ele era. - meu nome é B...
- Você não é importante, não quero saber seu nome, irei chama-lo
de senhor B.- falei de forma irônica rebatendo sua postura diante mim e
recebendo um olhar de repreensão da minha mãe, aquela altura ela estava
vermelha pela minha grosseria.
Eu sabia que se eu quisesse descobrir o que estava
acontecendo comigo eu precisaria dançar conforme a musica, então nada melhor
que uma musica depressiva e triste para se enquadrar na vida repetitiva de quem
revive a própria morte dolorosamente.
Sai do prédio de onde estava e entrei no ônibus escolar, a
maior parte dos adolescentes gritavam, batiam a cabeça na parede, babavam, por
um momento cheguei a pensar que eles estivessem confundido o ônibus do
internato com um manicômio, mas não poderia julgar já que nunca me vi da forma
violenta que minha mãe me descreveu, preferi sentar no fundo do ônibus com uma
menina, aparentemente a mais normal dentre os a sua volta, ela era quieta,
totalmente muda, olhar vazio, focada na janela, não procurei puxar conversa, o
ônibus deu partida e iniciamos a viagem, logo todos ficaram calados, estranhamente,
todos haviam pegado no sono, menos eu a garota sentada ao meu lado, pela
primeira vez desviando o olhar da janela para mim e mostrando seu colar em
forma de cruz, parecia que quanto mais eu orava mais vinha assombração.
- não durma Etan.- a menina falou baixo para mim e logo após voltou a acompanhar a estrada.
Aquele aviso não era normal e muito menos fazia sentido ela saber do meu nome,
era como se alguém estivesse nos vigiando, então naquele momento eu não faria
muitas perguntas, como visivelmente estávamos indo para o mesmo internato eu
teria outras oportunidades mais seguras de perguntar isso.
As horas se passavam e
nada de chegar ao local, eu sabia que todos os meus delírios aconteciam
enquanto eu dormia, mas mesmo assim o cansaço e o balanço do ônibus me
colocavam para dormir como bebe recém nascido, dei algumas piscadas para
certificar-me de onde eu estava para poder identificar que se eu acordasse em
um lugar diferente eu estaria em um sonho.
- Acorda garoto do sonho, chegamos ao internato. – senhor B
falou e logo reparei que só restava a mim no ônibus, eu sentia um misto de alivio
por ter chegado ao local e ao mesmo tempo medo de estar sonhando, a linha
imaginaria entre a criatividade e a realidade estava rompida visivelmente.
Ao descer do ônibus reparei nos detalhes do grande internato,
a grama maltratada com certeza não faria seus vizinhos ficarem com inveja, 16
janelas principais compreendiam o porta retrato do grande casarão, dividido em
dois andares e com pequenas janelas baixas denunciavam a presença de um porão,
as nuvens escuras apenas ameaçavam chover mas permaneciam inertes, grandes
chaminés nos tetos e a pequena escadaria fazia uma inclinação para a única
porta de entrada, grandes arvores preenchiam o redor, mas não eram arvores
sadias, eram secas e quebradiças.
Entrei no internato com minhas malas e não avistei alunos por
nenhuma parte da entrada, a luz era fraca e irregular apagando a cada 5
segundos, as camas dos dormitórios eram velhas e feitas de metais que rangiam
com o bater do vento forte que vinham das janelas abertas, indicando a
fragilidade do local, me sentei em uma das camas, a ultima ao lado direito e
percebi que um grande numero de pessoas se aproximavam de mim com algemas e
agulhas, falaram que era para minha própria segurança, que uma pessoa como eu
era muito perigosa pelas minhas reações inconscientes dos delírios em sonhos,
palavra chique, pensei, mas se de certa forma isso desencadeou todos os meus
problemas eu precisaria me livrar desse mal e me recordar do meu passado. Senti
as algemas me prendendo na cama e logo após uma picada de agulha, provavelmente
calmante, olhei para os lados e todos os alunos já estavam acomodados em suas
camas, então o problema era eu? Tinham medo de mim?
- Etan Jordan, você poderia prestar atenção na aula?- um
rapaz, provavelmente professor me chamou atenção, percebi que eu estava em uma
sala de aula e não mais preso em uma cama, pelas características eu poderia
pressupor que eu ainda estava no internato, então a única alternativa seria a
de que eu novamente estava em sono profundo e acordei, mas não compreendia como
havia chegado ali.- então..como eu havia dito, os sonhos em sua maioria trazem
mensagens e significados importantes, a Teoria de Holkins diz que o córtex
cerebral recebe mensagens importantes vindas do seu próprio eu do futuro,
basicamente por um erro do feixe temporal esses neurônios passeiam indo e vindo
do futuro possibilitando uma comunicação através de códigos que são
interligados pelos famosos “pesadelos”, provavelmente vocês estejam se
perguntando o porque dessas mensagens virem apenas por pesadelos e eu os
respondo, um sonho alegre tem probabilidade de 35% de ser esquecido em uma
semana, enquanto um pesadelo forte tem probabilidade 10 vezes maior de ser
armazenado para o resto da vida.- ele completou e me chamou a frente da turma,
eu estava nervoso, não vou mentir, tinha medo de que se todos esses delírios
fossem realmente uma forma de se comunicar, como eu poderia entender o meu
próprio recado.- Vejam alunos, este é Etan, como esta na caderneta de presença
dele, mas me diga Etan, como um dos alunos novos, qual seu nome completo?
- Meu nome é Etan Jordan. - respondi e ele negou com a cabeça
pegando uma prancheta.
- Seu nome completo é Joseph Etan Jordan, como consta seus
documentos de batismo e autenticidade dados pela sua mãe, Alguém aqui sabe me
explicar o porque do Etan esquecer do próprio nome?- o professor falou me
entregando meus documentos e eu fiquei em choque, todos da turma ficaram
calados, era em torno de 40 alunos que me olhavam com curiosidade. - acontece
que segundo a Teoria de Holkins, o cérebro considerado “antigo”, no caso, o que
recebe as mensagens do “novo”, cérebro do futuro, tem que ser apagado para que
o individuo não chegue ao pico mais alto da loucura, ou seja, ele não se
recorda da sua infância ou amigos e todas as pessoas próximas a ele são criadas
pelo seu subconsciente para controle emocional do mesmo.
Após a explicação do professor todos os alunos foram
liberados da aula, eu nunca havia me sentido tão confuso em toda minha vida,
fui para o refeitório e me sentei em uma mesa distante do outros alunos, se
minha vida fosse uma ilusão feita pelo meu eu do futuro, então existem outras
correntes temporais e pior para tentar uma comunicação a tanto tempo e de forma
brusca a mensagem que ele gostaria de me mandar deveria ser muito importante.
- você não esta sozinho nisso, acredite. - um garoto se
aproximou de mim, ele usava uma bengala e se sentou com cuidado ao meu lado. -
todos aqui sonham como você, com a própria morte, mas diferentemente de todos
aqui, de forma inconsciente você nunca tentou se matar, prazer, pode me chamar
de TIP.- ele concluiu e começou a comer o sanduiche em mão.
- E você sonha com sua morte?- perguntei e o vi acenando a
cabeça positivamente.- e de que forma tentou se matar enquanto dormia?
- sinceramente eu não sei, quando acordei do sonho eu
enxergava tudo preto e continuou assim desde então, eu sou cego, só sabia quem
era você, Etan jordan, pelos conselheiros tanto me pedirem para que você
tivesse uma companhia, eles me indicaram o caminho e você foi burro de não
perceber. - ele disse rindo e me deu uma caixinha de suco. - sabe o que eu acho
mais engraçado da teoria Holkins? Ela se chama invalida, pois segundo o próprio
Holkins a única forma de acabar com o ciclo do sonho e atitudes violetas em
quanto dorme é acabando com a própria vida.
- eu nunca me
machuquei fisicamente enquanto sonhava, mas não aguento mais, o que eu não
sofro na pele e com sangue sofro no psicológico duplamente.- afirmei e o puxei
para a parte da cozinha do internato, esquivamos de algumas coisas, felizmente
os coordenadores e cozinheiros haviam sido chamados na diretoria para uma breve
reunião, eu só precisaria de uma ou duas facas para tentar concretizar a teoria
de holkins, o suicido.- tem certeza que isso vai me livrar dos sonhos?
- não só vai livrar como vai te matar também, não seja
idiota, eles vão tentar te ajudar a controlar isso...- Tip procurava palavras
para me contrariar, mas tudo era em vão, justamente por não ter controle dos
sonhos ficou cego, percebi que suas pernas também estavam machucadas e o
tratamento de choque não era sinônimo de algo positivo.
- TIP! Você não compreende a atmosfera em que estamos
vivendo? O internato não te ajuda a ficar curado, ele te mostra a bula do
remédio, mas continua a te deixar sem antibióticos!- falei e ouvi as
cozinheiras voltando, peguei a Mão de TIP juntamente com duas facas, as maiores
que eu encontrei, abri à porta dos fundos que dava acesso a parte traseira do
internato e corri junto a alguns matos respirando forte.
- esta querendo dizer que o internato só esta nos fazendo
presos aqui para nos verem morrer silenciosamente?- TIP perguntou e tirou o
sapato de seus pés mostrando-os vermelhos e com marcas. - eu não sei como meus
pés estão, mas doem muito, me colocaram em algum tipo de formigueiro pra que eu
aguentasse dores mais fortes.
Fiquei calado alguns minutos e também com muita raiva, a
sirene começou a tocar e autofalantes soavam bem alto meu nome, com certeza já
estavam nos procurando por ter sumido, hipoteticamente, do internato, peguei
uma das facas e coloquei na Mão de TIP fazendo com que ele segurasse bem forte.
- calma, eu tenho um pequeno caderno no bolso e uma caneta,
se vamos realmente fazer isso, temos que ser lembrados, tome Etan, faça uma
carta de morte, conte tudo desde o começo até o que estamos falando agora para
que entendam o que passamos e o que sentimos.- ele me deu o papel e eu
concordei.
Meu nome é Joseph Etan Jordan e essa foi minha carta suicida,
saibam que o eu fiz foi resistência e ninguém tem certeza do amanha.
Hoje fui eu. Amanhã pode ser você.
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